quinta-feira, 22 de julho de 2010

Sobre "O Mal-Estar na Civilização" - Freud

Em “O Mal-Estar na Civilização”, Freud desenvolve de maneira ampla a inserção do homem na civilização, esta também entendida pelo autor como cultura. Avalia profundamente os aspectos da fundamentação de homem e cultura bem como suas relações e os efeitos dela decorrentes.

Para Freud, o homem é plenamente feliz ao realizar de maneira espontânea seus instintos. Na realidade esta seria a necessidade última, ou melhor, o paradigma de felicidade humana, enquanto indivíduo.

Tomando como ponto de partida a avaliação de que para o homem ser feliz ele deve realizar plenamente seus instintos, Freud discorre sobre o problema da civilização quando homens iniciam o processo de constituição de agrupamentos humanos, inicialmente famílias, posteriormente sociedades e conseqüentemente toda a civilização como um todo. O autor aborda como o homem de natureza livre e impulsionado por instintos e necessidades particulares se relaciona com seus pares de mesma natureza. Ele indica que esta relação não é de forma alguma pacífica e que os indivíduos abrem mão de grande parte de sua liberdade em detrimento da civilização, sendo esta inclusive cerceadora da felicidade humana. Para isso Freud investiga os movimentos humanos que teriam impulsionado tais afirmativas como a religião, a família e os sentimentos oriundos deste tolhimento da natureza humana como a culpa.

Como o desenvolvimento da civilização, o homem tende a reprimir seus instintos em favor da coletividade. Paradoxalmente, é justamente a plena realização de tais instintos que levam o homem a sua plena realização enquanto indivíduo. Neste momento cria-se uma cisão entre as reais necessidades humanas e o pleno desenvolvimento de uma civilização em detrimento da real felicidade dos indivíduos. Não é mais o homem o senhor de suas necessidades em direção a felicidade, mas sim a civilização quem termina ditando as normas de conduta aceitas em coletividade.

Uma destas rédeas é a religião que para Freud: “A religião (...) impõem igualmente a todos o seu caminho para aquisição de felicidade e da proteção contra o sofrimento (...)”. Deste modo a religião teria um caráter cerceador da felicidade humana plena, tendo tomado um papel de legisladora em nome da coletividade, sendo a própria via de obtenção de felicidade. O homem passa da condição de senhor de sua própria felicidade, ao realizar plenamente seus instintos, para um “alienado” que delega à religião a legislação sobre sua própria felicidade. Ao buscar no outro sua própria felicidade, o homem passa a ser alvo fácil de sofrimento porque depende não só de si para ser plenamente satisfeito, mas também da aceitação de outros com necessidades e realidades diferentes. Tal sentimento de angústia tem levado uma grande quantidade de homens às neuroses, que nada mais são que uma frustração imposta pela sociedade e seus ideais culturais. Em suma, a civilização sucede ao homem na tomada de poder, aquela passa a tomar as decisões em forma de leis em nome dos indivíduos. O homem passa de autor de sua própria felicidade a expectador.

A civilização ao criar leis e normas a serem seguidas em sociedade tem levado ao homem a uma grande restrição sobre seus instintos, o oprimindo em sua busca pela felicidade e gerando conseqüentemente muito sofrimento. Tal repressão tem levado o homem aos extremos negativos da condição humana. Aparentemente são raríssimos os casos em que esta opressão aos instintos humanos não toma cabo de toda uma existência. Alguns indivíduos efetuando esforços hercúleos de limitação instintiva conseguem suplantar tais dificuldades com um amor por toda a coletividade, não só a si. Neste caso o amor se desloca do ser amado para o ato de amar em si. Somente desta forma conseguem se satisfazer amando indistintamente somente pela condição de amar. Salientamos o quão difícil é este amor numa civilização valorizada pela necessidade de obtenção de prazeres tão somente exteriores e na obtenção de dividendos delas. Neste caso, a amor pelo amor parece ser uma grande utopia ante a turba de humanos civilizados, já que para Freud isto iria mesmo contra a sua própria natureza.

Hoje a luta humana, apaziguada pela civilização de seus instintos, é por uma parcela de segurança. O homem tem lutado entre o “instinto de vida” e o “instinto de destruição”, assim a civilização tem buscado desempenhar seu papel proporcionando uma maior segurança aos homens, mesmo que para isso haja uma perda significativa da condição instintiva do homem em direção aos prazeres, estes que muitas vezes o levaram a proximidade de sua destruição.

Todo este aparato da civilização em cercear a liberdade instintiva do homem tem levado os indivíduos a grandes dozes de culpa que nada mais é que o medo imposto pelo possível não cumprimento das normas civilizatórias impostas ao homem livre. Este medo o tem levado ao retraimento, ocasionando, dentre vários problemas, patologias complexas de seu psicologismo. Assim a culpa desempenha importante papel nas relações do homem com a sociedade.

Freud no texto aparenta uma visão pessimista da civilização. Provavelmente a primeira grande guerra tenha provocado profundas reflexões sobre tais aspectos da condição humana e em virtude disso a guerra seria o clímax da condição explosiva de rompimento da condição humana com as rédeas da civilização. Somente numa guerra temos a real noção do que o homem é capaz. É neste ponto que demonstra, de maneira inequívoca, seus mais primitivos instintos que para Freud, estão conosco desde a mais remota antiguidade.

*Trabalho apresentado por mim (Fábio Luiz Sholl Pinheiro) como avaliação da disciplina: Tópicos em Atropologia Filosófica em 2009.2, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), prof. Dr. Mauro Castelo Branco.
**FREUD, SIGMUND (1856-1939). O Mal-Estar na Civilização. Trad. Sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 1996. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v.21).

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