terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O PROBLEMA MENTE-CORPO EM DESCARTES

Ainda em fase inicial, venho pesquisando sobre o dualismo em Descartes, especialmente em sua obra principal, as Meditações. Aqui o filósofo expõe sua filosofia desenvolvendo uma série de argumentos de interesse filosófico com repercussão em toda tradição. Dentre estes temas, busco desenvolver o dualismo, ou mais precisamente seu dualismo de substância. De maneira genérica o dualismo de substância (dualismo cartesiano) consiste na visão de que o homem é composto por duas substâncias distintas: uma imaterial, simples, indivisível, inextensa, racional chamada alma ou espírito ou mente (res cogitans) e outra material, composta, divisível, extensa chamada corpo (res extensa). Ambas as substâncias são diferentes entre si, possuem atributos diferentes. Ou seja, o homem seria um composto de corpo e alma, sendo sua essência a alma racional e indivisível: “(...) nada sou, pois, falando precisamente, senão uma coisa que pensa, isto é, um espírito, um entendimento ou uma razão” (Descartes, Meditações) .

Descartes com a distinção mente-corpo elabora a possibilidade ontológica da imortalidade da alma, pois sendo sua essência indivisível, racional e imaterial esta poderia sobreviver a extinção de seu veículo físico. Vale ressaltar que Descartes não entra no mérito de comprovar tal possibilidade empiricamente, mas deixa provavelmente a cargo da ciência verificar tal possibilidade. Para Descartes a afirmação: “eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito” (Descartes, Meditações); prova de forma categórica a possibilidade de se pensar uma mente sem um corpo, logo sua imortalidade. Tal argumento também vale para o corpo, destituído de razão, pois não seria possível concebê-lo sem uma alma que seria sua essência. O corpo seria meramente uma máquina destituída de inteligência (alma/mente).

Aqui parece que há uma subjugação do corpo a mente, o corpo por ser composto, seria algo de inferior a essência alma, a segunda meditação nos encaminha para esta possibilidade, parecendo ser o corpo somente algo acessório a alma:

Mas o que sou eu, portanto? Uma coisa que pensa. Que é uma coisa que pensa? É uma coisa que duvida, que concebe, que afirma, que nega, que quer, que não quer, que imagina também e que sente. Certamente não é pouco se todas essas coisas pertencem à minha natureza.

Assim para provar a possibilidade da imortalidade da alma, basta para Descartes demonstrar a impossibilidade de se pensar um corpo sem uma alma, e da possibilidade de se pensar alma sem qualquer relação com o corpo. Para o filósofo, isto demonstraria de maneira satisfatória tal possibilidade.

"(...) sei que todas as coisas que concebo clara e distintamente podem ser produzidas por Deus tais como as concebo, basta que possa conceber clara e distintamente uma coisa sem outra para estar certo de que uma é distinta ou diferente da outra, já que podem ser posta separadamente, ao menos pela onipotência de Deus; e não importa por que potência se faça essa separação, para que seja obrigado a julgá-las diferentes". (Descartes, Meditações)

Mas o que se vê é um filósofo disposto a rever suas posições, já na sexta meditação, Descartes nos adverte da importância do corpo no composto homem e indica que corpo e alma formam um conjunto amalgamado de tal forma que ambos seriam necessários para a formação do conjunto:

"(...) minha essência consiste somente em que sou uma coisa que pensa ou uma substância da qual toda essência ou natureza consiste apenas em pensar (...). Embora eu tenha um corpo ao qual estou muito estreitamente conjugado, todavia, já que, de um lado, tenho uma ideia clara e distinta de mim mesmo, na medida em que sou apenas uma coisa pensante e inextensa, e que, de outro, tenho uma ideia distinta do meu corpo, na medida em que é apenas uma coisa extensa e que não pensa, é certo que este eu, isto é, minha alma, pela qual eu sou o que sou, é inteira e verdadeiramente distinta do meu corpo e que ela pode ser ou existir sem ele. (...) não somente estou alojado em meu corpo, como um piloto em seu navio, mas que, além disso, lhe estou conjugado muito estreitamente e de tal modo confundido e misturado, que componho com ele um único todo". (Descartes, Meditações)

O que seria este todo? Como algo imaterial, essencial, interage com um corpo extenso e divisível? Aqui o principal problema do dualismo em Descartes, a questão da interação causal. Como esta mente interage com o corpo se ambos são de naturezas distintas? Como de fato ocorre esta união, entre mente e corpo ao ponto de se confundirem formando um todo, numa simbiose única?

Descartes parece em algum momento tentar conciliar os dogmas da fé (imortalidade da alma, existência de Deus) com a razão científico-filosófica desenvolvida em sua filosofia. Ao mesmo tempo, suscita uma maneira de pensar onde dogmas não devem ser aceitos sem uma argumentação clara e contundente, onde o convencimento deve se dar por via argumentativa e não baseados em pressupostos da revelação. Aqui, Descartes ao mesmo tempo suscitaria um ateísmo, onde posições dogmáticas antes inquestionáveis passariam a ser objeto de investigação científica e seriam passíveis de refutação.

Vejo Descartes como um filósofo estreitamente aberto ao diálogo, onde convida o leitor a pensar e a desafiá-lo a rever suas posições. Indica que com o avanço científico, tais posições poderiam ser reformuladas. Mas com relação ao dualismo mente/corpo parece que mesmo mais de três séculos depois, Descartes mantém sua importância, mesmo que por correntes antagônicas ao seu pensamento. O pai da filosofia moderna deixou mais dúvidas do que certezas, pois não resolve a questão da relação causal, somente indica que a glândula pineal poderia ser este elo entre a mente e o corpo. Mas isto é pouco e cabe a ciência buscar as proposições para que a filosofia desenvolva novas teorias a respeito de tal relação.

Num outro momento da pesquisa, espero desenvolver o problema do dualismo em Descartes fazendo um contraponto com a crítica de Gilbert Ryle (mito do fantasma dentro da máquina) a tal teoria. A ideia de que há mais de uma forma para descrever as coisas parece ajudar a solucionar o problema cartesiano da relação mente-corpo. Assim pretendo ler o The Concept of Mind (1949) de Ryle para desenvolver melhor a pesquisa.


Bibliografia Primária

CHURCHLAND, Paul M. Matéria e Consciência: uma introdução contemporânea à filosofia da mente; tradução de Maria Clara Cescato. – UNESP, 2004. p. 25-48.


DESCARTES, René. Meditações: introdução de Gilles-Gaston Granger; prefácio e notas de Gérard Lebrun; tradução de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. – 2. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979 (Os pensadores)

DESCARTES, René. Princípios de Filosofia; tradução de Tourrieri Guimarães. – São Paulo: Hemus, 2007. p. 53-57.


5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Maravilhoso,entendi perfeitamente,ajudou-me bastante em meu trabalho acadêmico.muiito bom.

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  4. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  5. interessanet! bem escrito, elaborado. vai me ajudar muito!

    ResponderExcluir